Olhar para o futuro: Diretor da Agência de Inovação mira na inovação social para os próximos 15 anos

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2024 Olhar para o futuro: Diretor da Agência de Inovação mira na inovação social para os próximos 15 anos

Daniel Braatz, graduado, mestre e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), está no cargo de diretor-executivo da Agência de Inovação (AIn) da Universidade desde abril de 2022. Cientista, com experiência no desenvolvimento de tecnologias e expertise no registro de patentes e licenciamento, Braatz, como é chamado pelos colegas da comunidade acadêmica, acabou se credenciando como uma espécie de candidato natural ao cargo.

Ele vem tentando imprimir um novo desenho à atuação da Agência, centrando foco na prospecção, na aproximação entre universidade e sociedade e, sobretudo, na desmistificação da relação entre produção de conhecimento científico e mercado. Nesta entrevista, concedida em razão aos 15 anos da Agência de Inovação, o docente reflete os desafios, o papel da estrutura no desenvolvimento científico e tecnológico e como ponto de referência entre universidade e sociedade. Braatz ainda destaca que a Agência precisa se aproximar das estruturas e grupos de pesquisa da UFSCar e destaca a atuação da Fundação de Apoio Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAI UFSCar) na estruturação e consolidação da Agência de Inovação.

Pergunta: Gostaria de começar a partir de sua trajetória: como é que você chega à direção da Agência de Inovação?

Daniel Braatz: Creio que a minha chegada à direção da Agência de Inovação deve-se a dois fatores principais. O primeiro, a minha experiência como inventor e usuário dos serviços da Agência de Inovação, visto que eu já tinha patentes registradas, marcas, programas de computador, que foram desenvolvidos nas pesquisas e parcerias que tive ao longo da minha carreira dentro da universidade. E acredito que um segundo fator foi a minha experiência de gestão, auxiliando o Departamento de Engenharia de Produção durante cinco anos. Então, creio que essas duas experiências provavelmente me colocaram como uma opção para atuar à frente Agência de Inovação da UFSCar.

Pergunta: Pessoal e profissionalmente, o que representa para você estar à frente da Agência de Inovação da UFSCar quando se dá a comemoração de 15 anos?

Daniel Braatz: Representa muito, pessoal e profissionalmente. Especialmente por saber bastante sobre a criação dela; todo o esforço da professora Ana Torkomian (Ana Lúcia Vitale Torkomian, uma das diretoras da AIn) para a consolidação da Agência enquanto unidade institucional; a maneira como ela surge na Fundação e, depois, estruturada como uma estrutura da Universidade, vinculada diretamente à Reitoria. Hoje, poder estar à frente dela, colaborando com uma série de ações e programas, é uma situação que me deixa muito lisonjeado. Eu costumo dizer que, depois de alguns convites que eu recusei, esse convite era praticamente irrecusável. Então, com grande alegria eu estou à frente da Agência neste momento tão importante.

Pergunta: Ao olhar para a Agência hoje, o que é possível saber sobre a maturidade desta estrutura na UFSCar? Quais os avanços e processos consolidados?

Daniel Braatz: Entendo que a Agência de Inovação conquistou a maturidade institucional na UFSCar. A maior parte das Pró-Reitorias e outras unidades da Universidade conhecem o papel da Agência de Inovação e reconhecem o valor dela e os serviços prestados. Claro, temos vários pontos a melhorar, mas fica evidente, pela interação que a gente consegue ter com as outras estruturas dentro da UFSCar, que, na grande maioria das vezes, a gente consegue desenvolver e apoiar as atividades, sejam relacionadas à pesquisa, ensino e extensão.

Pergunta: E quais são as possibilidades ou até mesmo desafios que se colocam para a AIn para os próximos anos, digamos, para os próximos 15 anos? Em 2039, em que patamar você imagina que a Agência deva estar?

Daniel Braatz: Eu creio que o principal desafio da Agência de Inovação da UFSCar também é de todos os NITs (Núcleos de Inovação Tecnológica) das universidades brasileiras: na condição de estrutura institucional, conseguir articular pesquisa e extensão com o ambiente externo, especialmente o mercado, as empresas, as indústrias. Eu acredito que a transferência da tecnologia e do conhecimento para a sociedade é fundamental e a gente precisa consolidar esta perspectiva e a deixar bem clara, tanto para a comunidade interna da universidade quanto para a comunidade externa. Então, precisamos ser percebidos como ponto de referência dessa interação, favorecendo para isso aconteça mais e melhor. Daqui a 15 anos, espero que sejamos uma agência de inovação que tem e atua em diferentes áreas do conhecimento, com forte atuação no campo da inovação social, no empreendedorismo, nos níveis local, regional e nacional. Eu creio que isso é o grande desafio para os próximos 15 anos.  

Pergunta: De volta ao presente, inclusive porque é a partir do hoje que se dá a construção do futuro, que áreas ou mesmo campos de atuação você identifica como estratégicos, que precisam ser enfrentados?

Daniel Braatz: Como estratégico, vejo a articulação com as empresas para demonstrar todo o potencial que a universidade oferece para desenvolver tecnologias ou mesmo para licenciar as tecnologias que já foram desenvolvidas. Eu também considero a comunicação interna como um desses campos estratégicos. A comunidade acadêmica precisa perceber a Agência de Inovação como a unidade responsável pela proteção e encaminhamento do licenciamento das tecnologias protegidas, para que isso não tenha problemas com pesquisas que não são devidamente protegidas ou não são devidamente licenciadas. Por fim, eu coloco como outro ponto estratégico a articulação com os outros atores do ecossistema de inovação das regiões onde a UFSCar tem seus campi.

Pergunta: Não sei se minha percepção está correta, mas de uma maneira geral o processo de proteção de tecnologias, as patentes, parece consolidado. O que precisa avançar é a conversão de patentes em licenciamentos? Estou correto? E me parece que é uma questão que se coloca para os NITs em todo o país, certo? Que caminho precisa ser percorrido para avançar?

Daniel Braatz: É isso mesmo, algo que a gente tem falado bastante. Isso é um desafio para todos os NITs do país. E aí, qual caminho a gente precisa percorrer? Eu creio que aqui, na UFSCar, desenhamos um caminho: estruturamos a área de transferência de tecnologia; capacitamos não só desse setor, mas as pessoas da equipe, para que eles conhecessem e entendessem melhor sobre esse processo. Como próximo caminho, que precisa ser percorrido, eu coloco a necessidade da aproximação das unidades de pesquisa, dos departamentos, grupos de pesquisa, da nossa comunidade interna, e das empresas. Então, a gente tem tentado participar mais de eventos, mostrar o que a universidade tem desenvolvido e o seu potencial para desenvolver. Acho que essa figura de apresentar um cartão de visitas para as empresas é um caminho que a gente tem feito e que a gente pretende ampliar para que fique mais claro todo esse potencial que a universidade tem.

Pergunta: Tomando a premissa da aproximação entre empresas e universidades (entendendo que universidades, sobretudo as públicas, são os principais centros de pesquisa e desenvolvimento), isso ainda é um desafio. Por quê? E como enfrentar? E como as próprias agências de fomento e estruturas de Estado podem mediar e incentivar essa aproximação?

Daniel Braatz: É preciso reconhecer que a pesquisa ainda está, em nosso país, muito voltada para indicadores de produção, especialmente de artigos científicos e não para a aproximação ou transferência do conhecimento gerado para a sociedade. Há um movimento de mudança, de reflexão, que tem envolvido os programas de pós-graduação, as agências de fomento, que começam a ficar mais atentas para o impacto social, valorizando a questão da inovação, especialmente, a inovação tecnológica. Atualmente, por exemplo, estamos dialogando com o CNPq, demonstrando que programas que já existem, que fomentam a interação entre universidade e empresa, podem ser melhorados. Esses programas podem ser melhorados a partir da atuação dos núcleos de inovação tecnológica, que no caso da UFSCar, somos nós, a Agência de Inovação. Temos visto, cada vez mais, editais trazendo as parcerias como algo importante - a tecnologia saindo da bancada do laboratório e indo, de fato, para a sociedade. A Agência de Inovação, na condição de NIT da UFSCar, tem esse papel de articular junto às agências de fomento a ampliação desses editais e, internamente, estimular que mais e mais pesquisadores e grupos de pesquisas participem desses editais.

Pergunta: Também parece que temos desafios diferentes relacionados às áreas de conhecimento dentro da própria universidade.

Daniel Braatz: Creio que existe resistência, mas ela se manifesta de forma diferente pelas áreas do conhecimento. Se a gente pega o exemplo das engenharias, naturalmente, elas são mais abertas a parcerias, porque isso ajuda no desenvolvimento das pesquisas e na validação daquilo que está sendo pesquisado. Realmente, em algumas outras áreas essa aproximação não é tão natural. Mas eu acho que esse é um bom desafio, porque a gente pode mostrar, seja para as empresas, seja para os pesquisadores de algumas áreas, que existem várias possibilidades de cooperação, que vão permitir, que, de um lado, a sociedade se beneficie desse conhecimento e que isso se converta em melhores serviços, melhores produtos e melhores experiências para as pessoas. Também existe uma contribuição para a universidade, seja pela possibilidade de termos alunos de graduação e pós-graduação participando desses projetos, seja pelo financiamento de pesquisas que vai permitir com que os alunos e professores tenham mais recursos para desenvolver suas atividades e, em alguns casos, contribuindo para assegurar a permanência desses estudantes. Creio que o principal é fazer com que exista geração de conhecimento e tecnologias e consigamos demostrar como essa produção pode melhorar a vida das pessoas, possa atender as necessidades da sociedade.

Pergunta: Gostaria que você avaliasse a relevância da Fundação de Apoio Institucional da UFSCar, a FAI, para a Agência de Inovação. Seria possível chegar aonde a Agência chegou sem a fundação? E o que esperar dessa parceria para os próximos anos? Como a Fundação pode contribuir para consolidar a cultura de inovação na UFSCar?

Daniel Braatz: Não seria possível para a Agência de Inovação chegar, onde chegou, sem a Fundação. A Fundação foi responsável pelo embrião do que somos. Além disso, a Agência de Inovação precisa muito da estrutura da FAI, do apoio da fundação para realizar suas atividades. Temos aqui um bom exemplo de uma operação com base no princípio das atividades articuladas. E eu tenho certeza de que isso melhora tanto o resultado que a Agência de Inovação consegue entregar para a Universidade, como também a gente busca colaborar com a Fundação para que ela consiga atender melhor a comunidade. Pensando nos próximos anos, já temos essa parceria, a gente já tem esse olhar para o futuro em conjunto, e a gente tem certeza que muitas ações podem ser desenvolvidas, sejam na aproximação com empresas, instituições, agências de fomento, mas também criando espaços e momentos para a gente possa falar de empreendedorismo, de inovação, de propriedade intelectual, tanto para a comunidade interna, mas para a comunidade externa. Então, acho que essa cooperação foi, continua, e continuará sendo frutífera.

Pergunta: Deixo aqui o espaço para você tratar de alguma questão relevante, não apontada nas questões apresentadas. Fique à vontade para tratar de tema(s) que parecem fundamentais.

Daniel Braatz: A gente tem colocado alguns direcionadores para refletir sobre inovação social e que, na minha avaliação, acontece na UFSCar. Queremos encontrar os caminhos para apoiar essas ações, esses empreendimentos e temos feito um esforço para compreender os grupos de pesquisa, as ações que já existem e pensar numa formatação desse apoio para que outras iniciativas apareçam. Outro ponto importante é a nossa aproximação com as unidades de comunicação; é um aspecto fundamental, pois precisamos trabalhar na disseminação da cultura de inovação. E por fim, acho que os programas que a gente tem estruturado e colocado como estratégicos, como o AIn Conecta, que é o nosso evento e que pode assumir diferentes formatos para estreitar as relações entre as comunidades interna e externas, os diferentes campi, as diferentes áreas do conhecimento, com os diferentes atores dos ecossistemas de inovação. Também há o programa MAI/DAI, programa de mestrado e doutorado para a inovação, estratégico para a universidade e operacionalizado por nós, da Agência de Inovação. E agora, a retomada do programa de Empresas-filhas da UFSCar, que a gente quer realmente que faça a diferença para essas empresas que surgem de pesquisas e projetos ligados à universidade. Por fim, destacaria a consolidação, em parceria com SiBI (Sistema Integrado de Bibliotecas), BCO (Biblioteca Comunitária) e o NIT/Materiais (Núcleo de Informação Tecnológica em Materiais), do espaço da Starteca, espécie de braço da Agência de Inovação junto aos estudantes. Então, acho que esses são os principais pontos que eu queria colocar. Temos também outras parcerias importantes, a exemplo da parceria com a Embrapi, com as Pro-Reitorias de Extensão e Pesquisa, com a Pós-Graduação, entre outras.

Foto: Analice Garcia/FAI